{Estrangeira #12} Aprendendo a ficar e a brincar
E parando de tentar atravessar o tempo.
Lembro-me da inquietude. A sensação de ter que estar sempre em movimento, vendo um novo país, novas pessoas, tudo novo. Não faz muito tempo, estava tomada pela ansiedade de explorar. Ainda estava viajando e começava a planejar uma nova aventura. Acho que muito do prazer estava em planejar, estudar e sonhar.
“Eu não sinto mais vontade de buscar compulsivamente”, disse ao meu marido esses dias no almoço. “Engraçado, eu pensei nisso há uns dias atrás também.”
Em Berlim, eu não pensava em outra coisa. Mesmo quando ainda não tinha me dado conta de que queria ir embora, eu sempre queria estar em outro lugar, qualquer lugar. Berlim por muito tempo foi um lugar fácil de viver com sua política social, baixos preços e possibilidade de viver muito, ver muito e trabalhar pouco. Fazia sentido no papel.
Aí a casa caiu.
A cidade passou a ser um ambiente tóxico mesmo, mas a gente sempre demora um tempo para se tocar que está em um relacionamento abusivo e com Berlim não foi diferente. Quase como uma profecia, foi um relacionamento abusivo que me levou para lá há 13 anos.
Berlim é uma cidade grande, mas com bastante verde. Isso fez toda a diferença para aguentar o pioramento gradual das condições de vida ali. Havia muitos parques, florestas e tínhamos acesso a um jardim e assim me sentia acolhida, privilegiada.
Mostrava para as crianças de onde vêm as batatas e as framboesas (não do supermercado) e aprendi bastante sobre cogumelos e plantas nativas. Passei a tingir tecidos com plantas, testei várias formas de criar com as mãos: bordar, tingir, colher, arranjar flores, marcenaria, nem sei mais. Fiz um herbário. Fiz meus cremes, geléias e saladas com frutas e flores do parque. Criei projetos, escrevi livros. Tentei muitas coisas novas, fui para muitos lugares.
Hoje vejo que estas atividades foram o meu refúgio na cidade durante os últimos anos. A inquietação me deu experiências novas e oportunidades, mas a inquietação é também uma insatisfação. Não é fácil se dar conta disso.
Aqui em Portugal, onde passa a minha linha da lua, me sinto em casa. Permito a passagem do tempo me atravessar ao invés de ficar atravessando o tempo. Trabalho, piso na areia, faço um passeio no fim de semana. Não precisa ser para sempre, mas pode ser por agora.
Uma das minhas resoluções para o novo ano foi aprender a brincar. Quero aprender a viver no presente e deixar meu corpo ser levado pela fantasia do agora. Minha brincadeira é sempre com a mente. Planos, histórias, projetos.
Meu filho disse que é muito fácil, vai me ensinar. Segundo ele, é só sentar e começar a inventar uma coisa e sair fazendo. Eu disse que precisava ler mais um pouco, me preparar. Nos últimos dias me permiti. Virei monstro, gangorra, cavalo.
Agora estamos planejando um filme. Um pouco de plano, um pouco de realização. Sinto que estou trapaceando, já me meti em fazer projetos. Definimos os personagens, escrevemos o roteiro e selecionamos o figurino. Hoje de manhã F. desenhou a visão dele para uma das cenas.
Um pouco de planejamento e sonho também nunca fez mal a ninguém.
Mini curadoria semanal
Adorei esse episódio da Rádio Escafandro sobre um médico que dedicou a vida à causa humanitária no Brasil.
É gostoso demais ver cada vez mais museus devolvendo artefatos roubados a seus donos legítimos.
Tenho tentado aprender a botar mais minha cara a tapa e vender. É difícil. Crio coisas e as coloco no mundo, depois saio correndo. Bom, essa semana dei o primeiro passo e fiz um reels do meu livro Mamãe Outdoor: viagem e aventura com crianças.
"Permito a passagem do tempo me atravessar ao invés de ficar atravessando o tempo."
Quanto auto conhecimento! Vc arrasa!
Brincar é voltar a ser criança e deixar a imaginação fluir.Igual a um sonho de criança onde a imaginação se mistura com a realidade.APROVEITE!