{Estrangeira #17} A arte de viajar com crianças pequenas
Fora do mato, às vezes damos vexame.
Sempre gostei de viajar para a natureza, mas combinava as aventuras com idas para cidades a fim de visitar algum museu inesquecível ou desbravar lugares onde História foi feita. Para quem estuda memoriais e interpretação de patrimônio, cidades são bem importantes.
Com a chegada dos filhos, isso mudou um pouco. Ainda passamos por cidades, mas a verdade é que viajar só para a natureza é MUITO mais fácil. É claro que nas nossas (poucas) visitas à cidades grandes, alternamos os passeios de adulto com parquinhos e experiências só para eles. Afinal, a viagem é da família, não dos pais.
Porém é impossível negar o quão mais fácil é estar na natureza: não tem carro quase atropelando, dedo quase tocando obras de arte. Poucas cidades são amigas da infância então a maior parte do tempo vivemos com ombros tensos e passando muito nervoso.
Já a natureza, distrai sozinha, gasta energia e maravilha os olhos de toda a família. Os pequenos vêem e nos mostram tudo que está mais próximo do chão e nós o que se vê mais à frente do horizonte.
É uma troca mesmo bonita, mas claro que há trocas também na cidade: a obsessão do meu filho mais velho com Jesus começou em Fátima e tivemos uma linda troca sobe transexualidade após visitar a Bienal de Arte de Cerveira sábado passado.
Quem leu meu livro, sabe que gosto de compartilhar um perrengue, um vexame. Faço isso para desmistificar viagens com crianças, mostrando que tudo tem jeito. E também faço porque tem coisa que depois de cinco (ou mais) minutos é mesmo engraçada. Pois bem.
Em 2023, antes da nossa mudança para Portugal, fomos à Jordânia. Havia ido em 2010 com meu pai e sempre quis voltar para viver e ver o que faltou. Queria entrar no Mar Morto, mergulhar no Mar Vermelho, dormir em Wadi Rum (perdeu muito do charme nesta década) e ver os mosaicos em Madaba.
Foi maravilhoso compartilhar tudo isso com meus maiores amores. Vivemos todas estas aventuras juntos, mas não sem vexame, claro.
Para contextualizar: viajar com crianças para a Jordânia é espetacular. Todos são muito carinhosos e receptivos e não sentimos nem por um segundo que as crianças estavam sendo inconvenientes apenas por serem crianças. Muito pelo contrário. Sentíamos queridos e acolhidos.
Agora, de volta pro vexame.
Madaba é apertada. Muito carro, pouca calçada. Ficamos bem em frente à Igreja de São Jorge, onde é possível admirar o mapa em mosaico bizantino com a representação cartográfica mais antiga da Terra Sagrada e de Jerusalém. O mapa-mosaico está no chão da igreja e é cercado por cordas que batem pouco abaixo da cintura de um adulto.
Crianças correm. Crianças pequenas correm mais. Minhas crianças pequenas correram por baixo da corda enquanto eu tirava uma foto do mosaico. Sim, do mosaico bizantino de trocentos anos. Sim, aquele mesmo de valor imensurável.
Saímos da igreja, mas tivemos a audácia de nos deixar levar para um sítio arqueológico que se apresentou no nosso caminho. Eram passarelas elevadas que permitiam a observação de mais mosaicos no chão. Para não haver o risco de alguém pisar, sabe?
A não ser que este alguém analise o cenário e o interprete como local ideal para exibir um salto ninja de Homem Aranha. Sim, da passarela para cima do mosaico. Olha, confesso que nessa hora eu dei um grito e a volta do meu menino para a passarela foi ainda mais ninja que a sua chegada lá. O guarda ficou com pena do meu rosto que perdeu o acesso a oxigênio por alguns segundos e me consolou: “Está tudo bem, crianças são assim”.
Obrigada, Jordânia.
Mini curadoria semanal
Estou fazendo o curso do Vision Libras (muito difícil quando não se tem alguém com quem praticar) e caí nesse vídeo super interessante sobre Libras (ainda) não ser uma língua oficial no Brasil.
Este ano, faço parte do comitê científico do Heritales, um festival de cinema sobre patrimônio. A chamada para submissões de filmes que tratam do papel da paz para comunidades sustentáveis está aberta até o fim de abril.
Meu muso Peter Gray conta em sua news como crianças inventaram a língua de sinais do Nicarágua.
Só ter em mente que isso não vale só para crianças, né. Em Berlim, depois de uma manhã de caminhada e um longo almoço com vinho, entramos em uma galeria. Minha mãe viu uma cadeira no meio da sala e se sentou nela, prostrada. A cadeira era CLARAMENTE PARTE DA EXPOSIÇÃO. E eu preocupado, disse: "MÃE, você não pode sentar nessa cadeira". Ela abre os olhinhos e diz: "sentei" ¯\_(ツ)_/¯
Fiz algumas viagens com crianças, mas nem se comparam com as suas! Eu adorava e ficava sempre exausta ao final. Porém, confesso que vendo as suas , só vendo, já fico exausta! Kkkkkk acho que já estou velha pra suportar tanta energia! No entanto, é muito bom compartilhar esses momentos com os filhos porque lhes oferece uma visão ampla do mundo que acredito é um contribuinte para torná-los pessoas abertas a aceitar e compreender o diferente, sem preconceitos, além do aporte cultural natural que eles recebem. E o melhor de tudo, serão viajantes, pra mim a melhor coisa da vida! Adoro perceber que meus filhos amam viajar como eu!