Lembro-me como se fosse hoje. O ano era 2004 e eu estava estudando italiano em Florença. Por alguma razão, a minha escola estava repleta de suecos. Estávamos em março, fazia frio, mas o sol estava ali. O prédio da escola era bem antigo, muito mais antigo do que damos por antigo no Brasil. As escadas tinham degraus altos, não era algo tranquilo de subir. Mas pros suecos valia a pena.
Tínhamos apenas dez minutos de pausa nas aulas intensivas e eu que não ia descer aquelas escadas só para ter que subir logo depois. Fazer o quê lá embaixo, gente? Até que um dia me convenceram e eu descobri o que os suecos faziam nesses poucos minutos. Todos, eu repito, TODOS viravam as faces nórdicas para o céu, fechavam os olhos e sorriam. Pareciam girassóis virados para o sol com suas jubas loiras. Achei esquisitíssimo e nunca esqueci. Eram como zumbis ao contrário, súditos de Rá.
Sou carioca e tenho pavor de ter que tomar banho 5 vezes por dia, do suor constante, do ar irrespirável de um dia de verão. Não entendia aquela adoração, aquela devoção até, ao sol. Sol para mim era descascar a pele, marca de óculos escuros na cara. Sol só era bom na cachoeira ou no inverno na praia.
Pula para 2011, passo meu primeiro inverno em Berlim. Os dias pouco a pouco foram ficando mais escuros e logo me vejo acordando mais tarde. Ia para a aula de alemão, saia da aula quando já escurecia novamente. Passei a só conhecer a noite. Ia a bares quase toda a noite, passei a ter muita preguiça. No fim do inverno tracei um plano para juntar dinheiro e fugir por um fim de semana por mês para a luz. Iria para a Grécia, para a Itália, para onde fosse, mas precisava de um respiro para ver o céu.
O sol para mim passou a significar muito mais que calor. O sol era o céu, era a luz e a alegria de viver.
No verão seguinte enlouqueci meu amigo C. para sair de casa e aproveitar o sol. Queria ir ao parque todos os dias e ele queria dormir porque gosta de dormir. Eu não conseguia aceitar, virei adepta da sociedade dos zumbis nórdicos, estava claro. No inverno seguinte eu arrastei o C. para a academia. Tinha medo de cair nos padrões do inverno anterior. Mais uma tática de sobrevivência.
Não demorou muito e virei uma súdita de Rá, discípula de Apolo. Antes das primeiras flores de cerejeira, ao ver os primeiros raios de sol, eu já estava pronta para comer do lado de fora e amarrar o casaco na cintura. Minha prima foi me visitar em maio e lembro de lhe dizer que fazia calor, o sol já tinha chegado. Ela veio do Brasil com uma mala cheia de biquíni e sandálias e se deparou com 18 graus, quase me esganou. Ainda não era da seita.
A primavera passou a ser uma celebração da vida e o outono, uma despedida.
Verão passado a visitei na Escócia onde já estava vivendo há um ano. Mergulhamos em um lago gelado entre montanhas porque, mesmo fazendo por volta de 15 graus, o sol brilhava.
Ela tá dentro.
Mini curadoria semanal
Sonho acordada com adotar uma capela abandonada aqui na minha cidade e adorei ler este artigo sobre igrejas na mesma situação.
Gostei muito de assistir minha mentora (e chefe) dando esse Tedx em Viena há alguns anos.
Li "A Cabeça do Santo" em dois dias. Amei muito e não sei como ainda não conhecia a Socorro Acioli.
Moro na Suécia e entendo cada linha deste texto. Inclusive escrevi sobre o sol nórdico em janeiro: https://munikeavila.substack.com/p/o-sol
E bem, é primavera e aqui tá caindo uma nevasca, o dia inteiro nevando e eu nao me lembro a ultima vez que vi um raiozinho de luz. Agora procuro por praias para passar as férias, algo muito fora do meu estilo de viagem, mas né, nessa situacao de neve é compreensível hahaha
Pois é! Só morando longe do sol pra saber da sua importância! Além da vitamina D, ele nos dá ânimo, energia, luz, vontade de sair e viver.
Eu também me tornei discípula de Ra quando morei no hemisfério norte. Digo mais, quanto mais ao norte estou, mais aflita e fora de lugar me sinto! Uma sensação muito esquisita de não pertencimento.
Adorei a dica do livro! Também não conhecia essa autora. 😘