{Estrangeira #3} Mergulho em um buraco entre placas tectônicas na Islândia
Nada me impediria de mergulhar entre a Europa e as Américas
Eu queria MUITO ir para a Islândia e alugar uma campervan (uma van convertida em casa sem banheiro). Essa ideia surgiu logo depois do meu segundo aborto espontâneo. Eu havia decidido que 2020 seria o ano em que iríamos pausar e ir para a Islândia. Aí veio a pandemia e eu engravidei da minha filha mais nova. Em setembro do ano seguinte, algumas fronteiras já estavam abertas e a Islândia era considerada um país bem seguro. Eu estava pronta. Nada poderia me impedir de realizar este sonho.
A ideia era fazer a Ring Road completa em 10 dias e mais algumas outras atrações no Golden Circle. Acabou sendo diferente do que esperávamos, mas nenhuma expectativa foi quebrada. A gente sabe que com crianças fazemos o que dá e nos concentramos em compartilhar momentos e experiências possíveis. Como deveria sempre ser, né? A única coisa que eu tinha certeza total e absoluta é de que queria mergulhar na fissura entre as placas tectônicas da Europa e das Américas no Parque Nacional Thingvellir. Disso eu não abriria mão.
Meu mais velho tinha três anos e a mais nova 7 meses quando embarcamos nesta aventura. Quando planejo uma viagem, pesquiso possibilidades de lugares para visitar e marco no Google Maps em uma listinha para a viagem. A partir daí vou combinando o que temos potencial para ver e fazer e uma ideia maleável de rota. Para não gastar muito tempo pesquisando durante a viagem, entende?
Quando viajava sozinha, levava as viagens de um jeito bem lento. Sentava, pedia um vinho e via a vida passar, conhecia gente, caminhava sem rumo e parava em um museu. Com amigos, já planejava mais para atender aos interesses de todo mundo. Hoje, com a família, mantemos as expectativas baixas quanto ao que conseguimos ver e fazer em um dia. Fazemos um planejamento raso, um traçado de desejos. Se der, show. São fases e eu amo essa.
O mergulho em Silfra, como é chamada a tal fissura, seria quase um grito de independência após gestar e/ou amamentar sem parar nos últimos quatro anos. Era um projeto meu, só meu. Para fazer este mergulho, não basta ser mergulhador. É necessária uma especialização em roupa seca. A roupa seca é normalmente usada em temperaturas muito baixas e não há contato da pele com a água, com exceção do rosto. Uma camada de ar entre a sua roupa e a roupa seca contribui para manter a temperatura corporal estável embaixo d'água e é necessário aprender a administrar a válvula de ar da roupa e a nova flutuabilidade para que você não vire um balão e saia em disparada até a superfície arriscando terríveis consequências ao seu corpo.
Tudo isso para dizer que houve bastante planejamento aí. Fiz o curso da roupa seca com treinamento em piscina e teste no lago. Ainda morava em Berlim e tive que fazer este teste no verão de 38 graus em um lago que se assemelhava a uma canja de galinha ou a uma vasilha de diarréia. Não podia ver três centímetros na minha frente, mas valeria a pena. Minha filha ainda mamava demais e tive muito apoio do O., que me acompanhava em cada etapa para eu conseguir concluir este treinamento.
No dia do mergulho tínhamos que ir todos para o Parque Nacional Thingvellir porque eu não podia passar tanto tempo longe da minha filha ainda. Não sei se você sabe, mas é necessário muita organização e agilidade para sair de casa pontualmente após a maratona ninja de se arrumar com crianças pequenas de manhã. E aí eu menstruei. Após exatos 500 dias do meu último ciclo, menstruei logo antes de sair para o meu tão sonhado mergulho. Quinhentos dias. Sim, quinhentos. Não me lembro o que me fez levar meu copinho nessa viagem. Parece que foi um poder maior que estava do meu lado e não queria foder com meu mergulho. Chegamos na hora.
Certificações apresentadas, roupa posta. Caminhei com meu equipamento até a entrada da fissura. Entramos. A temperatura da água era de 3 graus. A visibilidade era total e a sensação é de que não havia nada entre eu e o infinito. Fui abençoada com a presença do que acredito ser a única criatura que passeia por aquelas águas, uma truta do ártico. As cores ali eram absurdas, uma combinação inusitada de tons de azul, branco, marrom e vermelho.
Mergulhar é o mais próximo que gente comum consegue chegar de uma viagem ao espaço e o planeta Silfra é de arrepiar. Não tem nada parecido. É um lindo vazio infinito e completo.
Quando emergi, vi meu mais velho torcendo por mim e foi um daqueles momentos de plena e pura felicidade. Momentos raros que ficam eternamente gravados na memória e são capazes de nos transportar para nosso eu mais genuíno.
É só disso que queria falar nesta semana.
A capa do meu livro Mamãe Outdoor: viagens e aventura com crianças foi feita pela Renata Marques e baseada em uma foto tirada neste dia. Depois do mergulho, fizemos um passeio pelo parque e uma foto em família. Eu amo esse dia.