{Estrangeira #41} O mundo se atreve a seguir girando
O luto vem em ondas e às vezes dá caldo.
Eu tenho pra mim que começou com o meteoro. Estava sozinha vendo TV na sala quando uma luz verde e forte iluminou lá fora. Notei pelo canto de olho, pausei a série e virei a cabeça. Deve ser algum show em frente a Câmara Municipal, pensei. Sem música? Estranho. Apertei play.
Assisti ainda mais alguns minutos de televisão quando resolvi dar aquela olhada no telefone e descobri. Não era show, era meteoro. Acordei meu marido, fiquei assustada. Sim, eu sei que pedrinhas caem na Terra a toda hora, mas aquela luz verde tão perto e tão forte me apavorou. Não sei bem medo do quê.
Depois foram as enchentes no Rio Grande do Sul. Será que o Dennis está bem? Tudo virou um rio com mais de cinco metros de profundidade. Dinossauros novos estão sendo descobertos depois de tanto chão revirado. As enchentes seguiram pela Europa Central.
A M. não estava se sentindo bem. Ela tentou melhorar e viajou para ver a família. Não conseguiu mais voltar e, enquanto lutava pela vida, queimadas formaram nuvens de fumaça na cidade onde vivia. Ela já não estava respirando bem, imagina estar lá. Foi ao mesmo tempo.
M. se foi devagarinho, mas consistente. Foi escorregando embora e mal deu tempo de tentar alcançar meu coração do ralo por onde ele ainda movediço escorre e o fogo chegou a Portugal. Uma nuvem irrespirável lá fora, para ser tragada como cigarros sem filtro.
Fiz uma malinha do apocalipse caso precisemos sair rápido, mas a maior parte das pessoas segue com as tarefas e o dia, com a vida toda embaçada e um sol vermelho que alterna com uma lua laranja. Não tem malinha do apocalipse para a maior tragédia de todos os tempos e o mundo se atreve a seguir girando mesmo sem respirar, mesmo sem a M..
Nossa, Rô... Eu até prendi o ar lendo esse texto. A sensação é justamente essa, não existe mala para o que estamos vivendo e, ao mesmo tempo, seguimos vivendo como se não andássemos rumo ao abismo. Obrigada por colocar em palavras.
Continua escrevendo, Rô! É lindo e necessário. Quem sabe ajuda no luto tão difícil...