{Estrangeira #43} Sair andando 10 anos depois
Estou de partida para o Caminho de Santiago.
A gente vai envelhecendo e acumulando responsabilidades. O tempo passa ser mais escasso e a espontaneidade nos escapa. Há dez anos, eu tinha planejado percorrer o Caminho de Santiago pela França e norte da Espanha, o percurso mais tradicional e famoso até Santiago de Compostela. Estava prestes a entregar minha tese de mestrado, mas aí meu pai morreu e tudo mudou.
Acabei não indo. Tudo bem, conheci o meu marido ali bem no período que estaria em um retiro Vipassana me aprontando para andar pelo Camino. A vida funciona de um jeito engraçado e esse desejo acabou sendo atropelado por muitos outros.
Sempre gostei de viajar sozinha. Às vezes amigos ficavam sabendo e iam se juntando, às vezes conhecia gente no albergue ou então ia só e ficava só mesmo. O desconforto de me sentir só não me assusta, é só isso aí: desconfortável. Marido e filhos me deram menos oportunidades (e vontade também) de me aventurar sozinha por aí. Isto é, até surgir uma oportunidade.
Minha família vai visitar os parentes alemães e eu resolvi que ficaria para trás. O feriado da reunificação da Alemanha cai logo depois do aniversário da minha quase viagem há 10 anos e da morte do meu pai então ficaria até simbólico, sei lá. Tem algo especial no aniversário de uma década de alguma coisa.
Daí perdi a M. no meio de setembro e a ideia desta aventura passou a ser ainda mais simbólica para mim. Ainda mais porque chego no ponto de partida bem na hora do eclipse hoje. Eclipse propício para novos começos.
Não lembro se cheguei a contar para a M. por telefone ou se só contei no postal que não deu tempo dela receber. É que eu queria ir só e tinha medo de espalhar a notícia e todo mundo querer ir comigo. Poxa, o que eu não daria para fazer esta caminhada com ela. A vida nem sempre é engraçada.
Ontem amigos e familiares a enterraram lá no Rio, uma despedida que não pude comparecer. Aqui do outro lado do Atlântico, ontem acordei doente, bem doente. Estou me automedicando, quero ir caminhar mesmo assim. Hoje o dia amanheceu com muita chuva. Porra, destino, quer me fazer desistir? Não vou desistir agora, vou com a segurança de que posso sempre voltar para casa antes de chegar ao fim. Não preciso terminar o caminho, mas preciso tentar. É que não sei se tenho mais dez anos para esperar.
Não tenho como tirar um mês para fazer o Caminho tradicional. Vou fazer apenas os últimos 100 quilômetros do Caminho Português. Esses últimos quilômetros começam na Espanha mesmo, em Vigo, e espero levar cinco dias para terminar. Acho que minha mochila está pesada demais, mas setembro não me deu o tempo para planejar que planejava ter.
A vida pode não ser sempre engraçada, mas prega umas peças e dá algumas oportunidades imperfeitas. Vamo nessa.
Mini curadoria semanal
Adorei as dicas da Lucy Werner para incrementar o lançamento de um livro. Se tudo der certo, lanço o meu este mês também.
Minha última coluna no Euro Dicas foi sobre as diferenças entre verão na Alemanha e em Portugal.
Gostei muito desse lanche criado pelo Betto Auge, mas usei leite de vaca e troquei a geléia por mel.
Se eu pudesse também faria o caminho de Santiago! Fiquei fascinada com a energia maravilhosa do lugar! Imagino o percurso como seria transformador, certamente propício à transcender.
Vai sim Roberta! Feche esse ciclo, libere o peso dos últimos dez anos, alegre-se com as boas lembranças de seu pai e amiga, festeje a vida que construiu, lave a alma e volte para o começo de um novo e auspicioso ciclo, reenergizada, transformada, cheia de luz e paz.
O caminho também está na minha lista de desejos, não tanto por motivos espirituais, e mais pela questão de ficar um tempo comigo mesmo em meio à natureza e a um desafio físico.
Acho que a oportunidade de fazê-lo vem sempre na melhor hora pra gente. Não era pra ser uma década atrás, e sim agora. Força na empreitada!