{Estrangeira #45} Fotografando homens para apps de relacionamento
Trabalhando com vulnerabilidade crua.
“O que você acha de fazer umas fotos com a minha flauta?”. Foi isso que ele me perguntou quando eu o fotografava na Akademie der Künst em Berlim. Foi o meu primeiro trabalho fazendo retratos de um homem para uma empresa que oferecia serviços de fotografia para apps de relacionamento.
No Brasil, trabalhei por um tempo como fotógrafa de gastronomia e de eventos engravatados. Entrei nessa pelo restaurante da minha mãe e um bico para o Conselho Tutelar (!), mas a minha paixão sempre foi fotografar pessoas. Gosto de fotografia documental, não necessariamente fotografia de rua, mas isso também. Porém são poucos os trabalhos pagos nesse campo e na época a única rede social existente era o Orkut e o MySpace. Foi só em 2018, depois de ter largado meu doutorado em Patrimônio, que descobri que os tempos eram outros e podia ganhar dinheiro fotografando pessoas.
Minha maior paixão era fotografar famílias e casamentos, captura-los em foto quando acham que não estão sendo vistos. Casamento dá mais grana que família, mas não emplaquei em Berlim. O negócio com as famílias foi suficiente por um tempo e acabei também fotografando homens para esta empresa dos apps de relacionamento por três anos.
Desconversei da flauta e fiz meu melhor para esse cara que era tímido e corajoso ao mesmo tempo. Com o tempo fui aprimorando minhas técnicas. Quando faço um ensaio, procuro conversar bastante com quem vai ser fotografado. Faço meu melhor para o outro se sentir confortável comigo. As primeiras fotos são sempre as piores, depois vai ficando mais fácil. A não ser que seja uma pessoa odiosa.
Fotografei uns homens bem incel e um ou outro representando o verdadeiro inferno egocêntrico do fuckboi berlinense, mas a maior parte deles era bem legal. Oscilavam entre serem totalmente cheios de si e totalmente vazios de si.
Fotografar estes homens era como estar em um date com eles.
Era difícil fazer atraente o cara que era obviamente podre por dentro. Eu fotografo com o coração. Parece piegas, mas é verdade. Quase dá para ver o que senti sobre o fotografado quando vejo um retrato que fiz. Às vezes eu só queria que o date acabasse e eu pudesse guardar meu sorriso falso. Outras vezes (menos vezes) eu me apaixonava um pouquinho por eles.
Teve um cara que me contou de um experimento. Ele nunca recebia match no Tinder. Então fez um perfil duplicado, mas com a foto do seu amigo bonitão e criou um robô para dar infinitas curtidas nas mulheres. Sim, ele CRIOU UM ROBÔ para tentar dar match em todo mundo que aparecia para os dois perfis. Foi assim que ele constatou que “mulheres só se importam com a aparência dos homens”, pois o perfil com as fotos do bonitão havia conseguido muito mais matches que o com a foto dele. Ele tentou resolver isso contratando uma fotógrafa profissional.
Sabe uns caras arrombados que você diz que gosta de Bowie e eles pedem para você listar as 10 melhores músicas dos dois primeiros álbuns e a setlist da apresentação do Bowie em 1983 em Londres? Então, tinha disso também. Depois do serviço pago e já em contato comigo, eu recebia perguntas sobre meu portfólio, minha experiência e, o pior de tudo, MINHA CÂMERA. Muitas vezes também recebia dicas de fotografia durante os ensaios e nesse tipo de situação me baixava a assertividade corajosa alemã que cortava os caras e pedia para eles deixarem eu fazer meu trabalho em paz.
Saí em dates fotográficos com caras em casamento aberto, caras de coração partido, caras que odiavam mulheres e caras inseguros que tiveram 30 segundos de coragem e resolveram fazer estas fotos. Também saí para fotografar tipos que não tinham nenhum problema para conseguir encontros, mas que queriam fotos para o LinkedIn.
Foi um dos trabalhos mais irritantes e mais legais que tive e só aconteceu porque um dia eu tomei coragem de dizer sim para uma oferta de trabalho inusitada.
Mini curadoria semanal
Descobri o site mirim.org e estou apaixonada. Nele dá apara encontrar diversos recursos para aproximar as crianças da história e cultura de alguns dos povos indígenas do Brasil.
Escutei esse episódio de Modus Operandi sobre o exorcismo de Anneliese Michel e fiquei apavorada.
Tenho jogado muito Dobble com meus filhos. É um jogo que dá perfeitamente para os dois e essa semana minha filha de 3 anos ganhou de mim.
Obrigada por compartilhar essa experiência, Roberta! Nunca tinha visto ninguém comentar sobre ensaio fotográfico de/com homens… Aparentemente, o trabalho é mesmo mais agradável quando se tem menos patriarcado envolvido, né? Tipo, fotografando… Mulheres, rs.
você tem tanta história pra contar!
PS. Amamos dobble!