{Estrangeira #5} Gente pelada e tons terrosos
Quem tem medo de pé descalço e mamilo de fora?
É bom morar em lugar com praia. Quando eu morava no Rio, minha cidade natal, ia pouco. Uma mistura de preguiça e de medo do julgamento. Na época ninguém falava em cultura do corpo, gordofobia etc. Pesava 30kg a menos e morria de medo do julgamento. Jovem, né.
Nos anos em Berlim, minha praia foram os lagos. Obviamente não é a mesma coisa, até porque nos lagos a gente pode até ficar pelado e ninguém liga. Também não tem onda nos lagos e é bem mais difícil achar lugar para sentar, ainda mais lugar com sol.
Lembro da primeira vez que fui. As alemães do mestrado, já no meu terceiro ano na Alemanha, me chamaram para um piquenique. Quando chegamos lá, estava quente pacas, aquele calor europeu que você não sua, só assa. Todas naturalmente começaram a remover suas roupitchas. Fiquei encantada por aquela existência livre. Daí desembestei. Lago, sauna, festa, segura aqui meu sutiã faz favor. Que bom é viver em um lugar onde todos estão pouco se fodendo pro seu corpo.
Perdi o fio da meada. Estava falando de praia. Aliás, um dia fui à praia e aí meu sogro resolveu entrar na água e simplesmente, como se fosse mesmo simples e talvez até seja, tirou as calças e a cueca e agora eu já vi meu sogro pelado. Na sauna, no lago e na festa, nada disso me abala, mas ver o sogro pelado é foda. Fui catequizada no Brasil, vesti branco na primeira comunhão, pessoal.
Mas voltando.
Ar puro e ar da praia fazem maravilhas para o corpo e para a mente. Na Alemanha até paga-se uma taxa ao visitar cidades na praia, taxa para Lugar de Cura. Aqui em Portugal só vi até agora gente com cara de gringo indo à praia no inverno. O resto coloca a melhor roupa de domingo para andar nos passadiços e no calçadão e pousa nos gringos um olhar curioso, uma coisa meio Jane Goodall. Nós somos os gorilas, quer dizer, os gringos.
Esses dois últimos dias de brincadeira na praia fizeram milagre. Mesmo no inverno pulamos ondas e andamos descalços. Andar descalço em chão natural é tipo um remédio, não sei da onde o povo tira que deixa doente. Medo de sereno, medo de pé descalço, medo de chuva, medo de vento e água fria. As crianças estão se recuperando de uma longa gripe e esses passeios curtos ajudam demais.
Quis mergulhar, mas aqui é o Atlântico, não o Báltico e eu não tinha levado biquíni. No Atlântico acho que Jesus ou o Mark Zuckeberg manda um maremoto se vislumbra um mamilo feminino, mesmo que bem rápido para trocar de roupa. Seria banida das redes sociais, da praia, quiçá do país.
Quando O. visitou o Brasil pela primeira vez, tive que fazer uma espécie de lavagem cerebral nele para evitar que ficasse nu em Ipanema. Disse que seria preso, linchado. Chamariam o cônsul alemão. Ele sairia estampado nos jornais como mais um gringo fazendo gringuisse. Ao que ele contestou “Mas nem bem rápido?”. Não é que os alemães sejam exibicionistas, mas não foram treinados para usar roupa de banho molhada fora da praia.
Ontem achamos uma concha fechada e seca na areia. Abrimos com um graveto e o que tinha dentro parecia uma língua, as duas conchas pareciam a boca. As crianças não se interessaram muito, acho que eu fui a que fiquei mais impressionada. Minha mais nova vidrou nas diferentes cores da areia: branca, marrom, preta e arroxeada. O mais velho escalou pedras, se pendurou no passadiço. As outras crianças que passavam comportadas como mini adultos vestindo roupas em tons pastéis e terrosos, como se fizessem publi para a Zara. Não pediam para ir para a areia.
Se a infância é o chão que a gente pisa durante toda a vida, que seja um chão cheio de texturas, surpresas e cheiro de mar.
Fico imaginando qual seria a temperatura do lago em Berlin. Também moro no litoral, South Pasadena -Florida, pular as 7 ondas no Réveillon é o mesmo que colocar os pés num balde de gelo.