{Estrangeira #53} Bolsa chique, país chique e vergonha
Coisas patéticas que faço para ser respeitada morando fora
Eu tenho uma bolsa chique. Sempre que vejo alguém com uma bolsa chique dessas, fico pau da vida. Quantas passagens de avião poderia comprar com uma bolsa chique dessas? Quantos aluguéis vale esse pedaço de couro cheio de logos que eu nem acho bonito? Mas eu herdei uma bolsa chique. Na verdade, pedi para herdar.
Uma vez conheci um cara que tinha este padrão de logos tatuado no braço. Coisa mais cafona que já vi na minha vida. Não, mais cafona é ter a tal bolsa em 2024. Porque é cafona ostentar uma bolsa dessa com tudo que acontece no mundo.
Minha prima é uma pessoa chique, talvez a pessoa mais chique que eu conheça. Ela só compra peças de roupa caras de marcas boas e duráveis que não ostentam logomarca. Ela não tem uma bolsa chique que nem a minha.
Um dia eu esqueci que iria para o jiu-jitsu do meu filho depois do médico e fui usando a bolsa chique. Morri de vergonha. Escondi a bolsa chique atrás de mim. A bolsa chique grita “SOU RYCKAAAA SOU RYCKA E QUERO QUE VOCÊS SAIBAM”. Eu não sou rica, mas pedi para herdar a bolsa chique de alguém que também não é rica, mas que mesmo assim investe em bolsas chiques.
Neste ponto você deve estar se perguntando o porquê de eu ter pedido para herdar uma bolsa chique. Quando eu pedi, não sabia direito. Acho que queria um pedaço da dona da bolsa chique porque ela ama bolsas chiques. Aí ganhei a bolsa chique e rapidamente encontrei um uso para ela.
Ir ao médico e resolver burocracias. Aqui em Portugal, para todo lugar onde quero ser levada a sério e respeitada à despeito do meu sotaque carioquês, eu levo a bolsa chique. O pior é que tenho certeza que a bolsa chique funciona. É de foder, eu sei, mas a verdade é que aos olhos do burocrata e do médico português, a bolsa chique conta a história que eu sou um tipo de brasileira que deve ser respeitada. Como se existisse tipo de brasileiro que deve e tipo de brasileiro que não deve ser respeitado.
É vergonhoso, mas eu uso o poder da bolsa chique.
Vergonha.
Quando morava na Alemanha, eu não tinha uma bolsa chique. Na Alemanha, eu sempre dava um jeito de mencionar o doutorado que estava fazendo (antes de abandonar o doutorado, no caso). O doutorado era minha bolsa chique. Em outros momentos fazia questão de achar um jeito de incluir no papo que tinha conhecido meu marido no fim do meu mestrado, que tinha ido para o país para estudar.
Essas eram as bolsas chiques que eu tinha disponíveis. Sem elas eu era constantemente tratada como inferior. Era considerado inferior uma latina casada com um alemão. Latina + alemão = puta que deu golpe do passaporte. A ideia de uma latina instruída que por acaso conheceu um alemão acabava por ser uma surpresinha. Daquelas não confessas, mas que a gente vê na expressão do outro, no sorriso aliviado.
Ainda uso a bolsa chique dos ensino superior aqui em Portugal. Também uso a de não ter vindo diretamente do Brasil, ter morado antes na Alemanha. Adoram. Adoram que eu tenha deixado a Alemanha para viver aqui. Adoram que eu, usando uma bolsa chique, tenha optado por deixar um país chique para morar em Portugal.
Vergonha.
Mini curadoria semanal
Temos jogado Carcassone Júnior aqui em casa. Estou completamente apaixonada por esse jogo. Já funciona bem com minha filha de quase 4 anos e os adultos da casa também estão se divertindo a beça. É fácil entender as regras e relativamente rápido de terminar uma jogada.
Um dos primeiros jogos que começamos a jogar em família e que nunca enjoamos é o Dobble. Temos o básico, mas existe Dobble de tudo que é tema.
Este foi o melhor texto que li sobre a queda do número de leitores no Brasil. O Rodrigo sugere ainda que provavelmente a situação é ainda pior.
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Confesso que em alguma foto vi você com a bolsa chique e por um segundo "soou" estranho. Também não curto, mas pode ser só puro preconceito meu. Como todos esses que você mencionou no texto....
É triste, e compreensível, ter que apelar para essas sutilezas a fim de ser respeitado. Imagino muito seu sorriso interno quando você "solta" as informações do doutorado ou do amor no fim do mestrado, ao ver a outra pessoa sendo pega de surpresa.