O que nos leva a escolher um destino? Semana passada fui ao Porto com meu marido e, após uma visita a Livraria Lello, conversamos sobre o que nos motiva a viajar.
O que é imperdível para você é necessariamente imperdível para mim também?
Gosto de conhecer a natureza local. Fazer uma trilha, me encantar com uma vista e conquistar montanhas. Também gosto muito de ver obras criadas por civilizações antigas e observar diferentes formas de viver. Além disso, por conta da minha pesquisa, tenho prazer imenso em conhecer memoriais e museus que nos lembram da parte mais sombria da história da humanidade.
Quando vou a cidades, gosto de ir a livrarias. Não vou a lugar nenhum para conhecer uma livraria, mas se estou em lugar qualquer, tento passar em uma. Comida não faço questão de provar, mas sempre busco os restaurantes vegetarianos que possam parecer interessantes. Na Polônia faço sim questão de comer pierogi todos os dias, em Roma, um suppli do Bonci por visita. E é só.
A Livraria do Lello é uma antiga livraria no Porto que ficou conhecida por ter inspirado as escadas de Hogwarts. Devido à fama, fãs da saga visitavam a livraria apenas para tirar uma foto e saíam de mãos vazias sem terem comprado nada. Por isso, há alguns anos, a livraria passou a cobrar uma entrada que se converte em voucher para compras lá dentro.
As filas são tão longas que há divisores na rua que separam visitantes por bloco de agendamentos e hoje em dia o negócio cresceu tanto que é preciso comprar a entrada online para um horário específico. Dá pavor passar ali na frente, mas sempre pensei que um dia teria coragem. Esse dia foi na semana passada.
Por que raios queria ir na Lello?
Gosto de pensar que não sou tão influenciável assim, mas será? Sei que uso as redes sociais para buscar inspiração, mas fico embasbacada com a quantidade de conteúdo acerca de selfies. Sim, há blogueiros que criam conteúdo sobre os melhores horários, looks e cantinhos para tirar sua selfie em pontos turísticos. É que aparentemente você precisa de uma foto incrível em um determinado lugar. Tudo é oportunidade para autopromoção. Viramos produtos e vendemos a vitrine das nossas experiências. Não acho que estou neste patamar, mas me pergunto se estamos mesmo vivendo algo ou apenas cumprindo listas de tarefas?
Viajamos para bater ponto em “lugares imperdíveis” ou para desfrutar outras realidades?
Após enfrentar a fila que atravessa a rua e passar por dois bouncers que checam as entradas, aconselho o visitante que também sentiu a necessidade de visitar a Lello a respirar bem fundo porque em breve será só CO2 alheio. É tudo bem apertadinho e há uma quantidade absurda de pessoas por agendamento. Não existe a possibilidade de relaxar e folhear um livro. Você roça em todo mundo e todo mundo roça em você.
A grande parte dos livros é editada pela própria livraria que o faz em três idiomas: português, inglês e espanhol. Às vezes em francês, notei. Harry Potter está à venda e Fernando Pessoa também, mas percebi após um tempo lá dentro que quase não há oferta de títulos. Você roda, roda e só vê Potter, Pessoa, Saramago, Peter Pan e outros clássicos infantis. Tem também uma parte dedicada ao Pequeno Príncipe com muita tralha de souvenir. São poucas as obras à venda para o tamanho da livraria. O que tem bastante é bastante merchandise como camisetas, bolsas e livros de colorir.
A cada passo conquistado naquele covideiro, são umas cinco fotos que você aparece como coadjuvante.
Na escada da J.K. Roling, muito trânsito. É que ela deixou de ser passagem e passou a ser palco para instagrameiros. Ir para o Porto e não tirar foto na livraria do Harry Potter não pode. É quase como se não tivesse ido, não tivesse marcado o X na checklist da viagem. E é disso que eu e o O. estávamos conversando: ir na Lello é realmente legal? Será que todo mundo ali é fã mesmo de Harry Potter ou admirador de livrarias históricas?
Saímos com dois livros infantis editados pela Lello. A sacola de papel foi €1.50. Apesar de não considerar aquilo uma livraria e sim uma armadilha para turista disfarçada de livraria, admiro o empreendedorismo e resiliência ali. Não é fácil ser livreiro em tempos de Amazon e a Lello viu uma oportunidade e a abraçou com pernas e braços.
Isso fica ainda mais evidente quando sabemos que em 2020, J.K. Roling comentou que essa história de ter se inspirado na Lello é balela. Ela jamais pôs seus pézinhos milionários lá dentro (mas até gostaria de ter posto). Agora imagina, um fuzuê do cacete, uma grana ferrada pra entrar naquele amasso POR CONTA DE FOFOCA.
Adorei essa Lello=fofoca! Parabéns aos donos que deram um jeito de se manter vivos nesses tempos nada fáceis para livrarias!