Houve um tempo que tudo que eu mais queria na vida era deixar essa terra maravilhosa. Acontece que eu não via nada de maravilhoso no Brasil. Tive que morar uns 10 anos fora da minha terra para querer voltar para ela.
Cabelo curto, tatuagens e extroversão não eram exatamente bem vistos até a primeira década dos 2000. Sempre me sentia meio de fora gostando das músicas erradas, com dificuldade de me conectar. O calor me irritava, o peso invisível de estar sempre preocupada em assalto me sufocava e as pessoas teimavam em me chamar de “doidinha”. Não tem nada mais escroto (deve ter, mas isso é bem escroto) do que rotular uma mulher que não se encaixa de doida.
Para completar, não construí uma carreira. Tentei vários projetos e não engatei em nada. Cheguei a trabalhar com comunicação e empreendedorismo social, mas ficar o dia inteiro de salto (era assim na época) em um escritório no Centro parecia o futuro mais triste possível. Tive uma loja online de acessórios femininos quando todo mundo tinha medo de comprar na Internet. Levei o free tour pro Brasil quando ninguém ainda entendia a cultura do “pague o quanto puder” e mais um monte de ideias “doidinhas” fora do timing.
Daí fui fazer mestrado na Europa. Gostei e pensei que a carreira acadêmica talvez fosse para mim. Acontece que eu não tinha bolsa então trabalhava ao mesmo tempo e meu orientador do doutorado mudou meu lindo projeto pragmático para algo totalmente teórico e meu cabelo começou a cair. A carreira acadêmica não era para mim.
Voltei para a fotografia, algo que havia feito por algum tempo no Brasil. Foi bom até o Covid. Depois da minha segunda filha, cansei de nunca ter grana e peguei um trabalho desses de dia inteiro na frente do computador. Não foi o futuro mais triste possível que imaginei quase vinte anos antes. O futuro mais triste seria não conseguir pagar o aluguel. As prioridades mudam.
Eventualmente mudei para algo de meio período, me organizei e fui para Portugal. Portugal é meio caminho andado pro Brasil. Eu já queria voltar, mas não via como. Quando uma amiga de Berlim (sem filhos) voltou, eu percebi que queria também. Foi um choque, mas também uma revelação. Portugal nos trouxe mais estabilidade com nossos trabalhos remotos, mas não é Brasil.
O que pega é que no Brasil fica a maioria das minhas pessoas. Se eu fui uma criança sem amigos, na juventude formei muitos laços para a vida toda. Daqueles que a maioria só tem um ou dois, sabe? Eu sou afortunada de nem saber quantos e nenhum deles me acha mais doidinha porque as coisas mudaram nos últimos quinze anos em que fiquei longe.
Assim como meus projetos, sinto que eu também estava fora do timing do Brasil, mas agora estou no ponto, perfeita para viver nessa terra. Só que não construí nada em termos de carreira que tornasse possível uma vida no Brasil dentro dos padrões que vivo agora. Não me leve à mal, construí uma vida incrível cheia de coragem, histórias para contar e amigos com quem dividi-la. Mas tenho um currículo sem pé nem cabeça, ainda fora do timing.
O que me sobra agora é construir algo para um futuro onde eu tenha ainda mais estabilidade para visitar a minha gente mais vezes e, quem sabe, um dia voltar. Portugal não é Brasil, mas a vida lá é bem boa também. Digo, agora.
Nesse timing.