{Estrangeira #1} Minha bunda brasileira em um casamento vietnamita
Uma bunda, uma roupa laranja e um protesto.
Encontrei a roupa que usei no casamento da N em Da Nang. Acabo de me mudar da Alemanha para Portugal e passei por uma longa curadoria do que vai e do que fica. Essa roupa nem cabe mais em mim, mas resolvi trazê-la na mudança. Vai que perco 20kg e sou convidada novamente para um casamento tradicional no Vietnã?
A roupa consiste em uma calça e uma bata longa laranja e foi feita sob medida para mim em menos de um dia. Já posta devidamente no fundo do armário português assim como esteve no fundo do armário alemão, olho para seu material sintético laranja e me lembro de um montão de coisas. Memórias do que essa viagem significou para mim, de momentos ali vividos e, por último, do casamento.
Eu não ia para o casamento da N. Estava muito dura. Tinha exatos 350 euros, mas aí meu pai me disse que me presentearia com a passagem e quem sou eu para negar passagem? Isso foi lá em 2014, poucos meses antes dele morrer. No enterro dele me falaram que ele amava que eu tinha ido ao Camboja e contava para todo mundo dessa minha viagem mesmo tendo sido ele quem pagou a passagem, o último presente que ele me deu.
O casamento foi no Vietnã e ele me deu a passagem para lá, mas eu já tinha ido ao Vietnã dois anos antes, então decidi fazer um curto mochilão no Camboja que coubesse no meu orçamento de 350 euros e terminar em Da Nang.
Já estava no fim da viagem e o voo para Da Nang foi cancelado. Daquele jeito, né? Atrasou, atrasou, prometeram que já vinha e no fim mandaram todo mundo para casa no meio da noite. Só que eu não tinha casa ali então tive que pagar uma diária para passar algumas horas em um hotel para onde outros passageiros também foram. Saí bem cedo no dia seguinte e aí já tinha avião.
Os pais da N me buscaram no aeroporto e me levaram para um hotel na rua deles. Em 2014 eu ainda conseguia falar um pouco de francês e aí pudemos nos comunicar um pouco. Agora a correria para fazer a roupa. Minha amiga alemã M já estava lá e me levou no lugar onde fizeram a roupa laranja dela. Éramos madrinhas e todas deveriam usar a mesma cor.
A loja era bem grande com tecidos por todas as partes. As mulheres vietnamitas riam da minha bunda grande e brasileira enquanto tiravam minhas medidas para uma roupa feita para gente sem bunda brasileira. Engoli meu desagrado, mas a M ficou chocada. Acho que se tirassem as medidas das atendentes no Brasil para um traje de Carnaval, talvez rissem mais tarde, não na frente, pela falta de bunda. Então tá tudo certo.
Pedimos muito para que a roupa ficasse pronta no dia e toparam. Custou 20 dólares, o que é muito se você está fazendo um mochilão com 350 euros, mas não tinha jeito. Talvez o excesso de tecido para cobrir a minha bunda tenha influenciado no preço.
O casamento começa. Chegamos com um presente para a mãe da noiva que já nem lembro mais o que era. A cerimônia começa na casa dos pais da N. Na rua, as mesas para os convidados de honra que são os únicos convidados nesta etapa. Sento ali com a M, uma outra amiga nossa russa e uma amiga de infância da N. Nos explicaram como agir em cada etapa, mas não esperavam o drama que estava para acontecer.
Do nada vem uma senhora com a foto de um homem na mão como se ele estivesse desaparecido e mais uma pequena procissão de pessoas consigo. Ela berra várias coisas para os convidados. Ou para a N. Ou para os pais da N? Foi tudo em vietnamita então obviamente não entendi nada, mas senti o cheiro de fofoca. Todos estavam envergonhados e em choque. Os pais da N vão falar com essa pessoa e perguntamos para a amiga de infância o que estava acontecendo. O máximo que ela se permitiu revelar foi que aquela era a mãe e família de um ex da N.
A festa segue para a casa do noivo. Lá nos explicam que devemos rodear a mesa na sala de comer em uma determinada direção. Não fazemos mais nada lá. Os pais dos noivos conversam algo sobre a união. Logo dizem que devemos trocar de roupa para nosso look ocidental. Eu coloquei um vestido branco e preto que não amassa muito e que pude carregar comigo durante toda a viagem.
Nos levaram para festa no salão de um hotel. Já sabíamos que nossos presentes deveriam ser dinheiro em dólar e logo na entrada do hotel havia uma caixa para depositarmos nossos envelopes. No salão havia muitas mesas. Nos sentamos e comemos. Era tudo super kitsch, demasiado, intenso e iluminado. Não teve espaço para dança.
Pouco tempo depois, a N apareceu no palco com um vestido de noiva branco e bufante, como uma princesa da Disney. Com ela, veio o marido e juntos eles soltaram fogos de artifício sobre o efeito do gelo seco. Os pais de ambos se juntaram no palco. Dois homens vestidos de paquitos apareceram e entregaram uma garrafa de espumante aos noivos que alimentaram com seu conteúdo uma fonte de cristal iluminada de azul e rosa da onde saía fumaça e girava uma coluna espelhada no meio. Difícil mesmo de descrever. Havia muita purpurina e confetes prateados caíram do teto. e passou para cumprimentar todos os convidados nas mesas. Aí acabou.
Empurro a roupa laranja de volta ao seu devido lugar e olho minha bunda no espelho.
—--
Gostou dessa news? Que tal então compartilhar com amigos? Escreverei aqui semanalmente sobre viagens, patrimônio e, claro, sobre ser estrangeira.
Que saudades de Da Nang! Adorei o texto.