{Estrangeira #40} Ser estrangeiro e local ao mesmo tempo
Visitar o que já foi um lar pode ser esquisito.
É sempre estranho visitar um lugar onde já moramos antes. Uma sensação esquisita de entender aquela gente, saber navegar as ruas, mas não conhecer mais nada.
Semana passada estive em Berlim. Minha última vez na cidade foi em novembro do ano passado. Há quase um ano. Antes da visita de novembro, havia morado na cidade por 12 anos. Toda a minha vida adulta se você considerar o amadurecimento do cérebro, mas mais que isso se você considerar meu amadurecimento que aconteceu lá nos 28.
Eu tinha uma missão clara na minha estadia então só encontrei quem era mesmo necessário, mas peguei o metrô, trem, ônibus, tram. Navego bem o complexo sistema de transporte público da capital alemã. Caminho pelas ruas sem checar mapas. Fui a um lago por quarenta minutos para um banho revigorante.
Os cafés estavam mais caros. O transporte e o lago também. Mudaram a disposição dos meus produtos favoritos na drogaria que eu costumava ir. Além disso, tudo parecia mais longe, mas acho que é porque desacostumei com cidade grande. Tudo em Berlim leva uns 40 minutos para chegar. Aqui na minha Ovar levo entre 5 e 15 minutos. Sempre estou vários minutos adiantada, mas ao longo desse ano em Portugal, passei a estar cada vez menos adiantada. Então agora me vejo mais estrangeira ainda, não cabendo nem lá nem cá.

Uma vez fui ao Rio depois de bastante tempo sem visitar a minha cidade natal. Passei 3 semanas na cidade e já estava surtando. Achei que tudo era muito barulhento, todo mundo falava ao mesmo tempo no restaurante e ninguém esperava os outros saírem do metrô para tentar entrar. Era um cabo de guerra para ser ouvido, para entrar no metrô e para argumentar qualquer coisa. Eu achava Berlim muito mais tranquila, silenciosa até.
Semana passada falei muito no telefone. Muito mesmo. Fiquei tensa porque toda hora passava uma ambulância, uma moto, todo mundo faz barulho o tempo todo. Cadê os passarinhos nessa cidade? As lojas todas têm nome em inglês agora, porra? Achei Berlim pertubadoramente barulhenta e mainstream, sem identidade. O squat que eu fui beber nos primeiros anos na cidade agora abriga o bar mais chique da cidade e o escritório de uma empresa farmacêutica onde minha amiga que estudou saúde pública trabalha.
Nada contra fazer dinheiro, eu também queria ter dinheiro, mas tá tudo diferente e eu ando pelas ruas, falo aquela língua, mas parece que não entendo nada mesmo saindo de casa mais de 40 minutos antes dos compromissos.
Mini curadoria semanal
Estou lendo bem devagar o livro Hit Makers. Ele conta como para fazer um hit você tem que ser bem familiar, repetitivo, mas não muito e adicionar uma pitada de novidade. Se as pessoas perceberem o que você está fazendo, perdem o interesse. Aí ao longo do livro ele vai repetindo tudo isso com exemplos diferentes e adicionando uma informação ou outra e eu parei de achar legal e perdi a paciência.
Voltei a assinar o Calendastro e estou muito feliz. Valendo total a pena.
Este mês o filme Tenório e os Sonhos de Judô do atleta paralímpico Antonio Tenório está disponível gratuitamente no Youtube com audiodescrição.