Sei tudo sobre bolhas. Em outubro, quando embarquei na aventura de caminhar de Vigo a Santiago de Compostela, eu não sabia nada. Na minha última noite, quando já mal podia andar, me ensinaram muito. Todos no albergue tinham dicas.
Passar vaselina nos pés, uma meia grossa, calçar papetes e não botas. Meias especiais, esparadrapo e curativos especiais. Andar bem devagar, secar os pés a cada 10 km. Uma bota já usada há tempos, no formato do pé. eu só tinha a última dica e uma senhora me deu três curativos especiais.
No meu último dia no Camino em outubro, a caminho de Caldas de Reis, eu grunhia de dor enquanto caminhava. Usei dois dos curativos especiais e guardei um último para uma sobre-emergência. Em Caldas de Reis carimbei meu passaporte peregrino e peguei um ônibus na chuva de volta para Vigo, rumo a minha casinha amada em Portugal.
Corta para novembro. Segunda passada me dei conta que poderia ir de novo este fim de semana. Brinco que sou secretária dos meus filhos conciliando a vida social deles com a nossa vida em família aos fins de semana, mas desta vez eu encaixei uma coisa só minha. Os três me levaram no domingo, antes da festinha que minha filha havia sido convidada, até a Espanha de carro. Duas horas e meia de carro ou cinco no transporte público.
Os meus amores me deixaram em frente a igreja onde eu tinha dado meia volta em outubro. Logo antes de chegar, minha filha de 3 anos me pergunta com seu sotaque tuguíssimo:
“Onde vais, mamãe?”
“Vou caminhar, filha. Alguns dias até chegar em uma igreja”
“O que buscas, mãe?”
Pensei bastante nessa e ela, impiedosa, repetiu a pergunta.
“O que buscas, mãe?”
Não lembro o que respondi, mas deveria ter respondido que saberia quando chegasse lá.
Me abraçaram e voltaram para casa. E eu, bom, eu caminhei. Fiz menos quilômetros por dia que da última vez, troquei a palmilha da minha bota e comprei meias especiais para longas caminhadas. A vaselina eu esqueci de passar.
No segundo dia, bolhas. Menos, é verdade. Menos e menores. Resolvi estourar a maior na minha última noite. Ainda tinha 16 km pela frente. Ardeu. Encontrei o curativo especial que havia sobrado da última vez. Agradeci àquela senhora em pensamento.
Cheguei em Santiago bem na hora da missa. Missa é um tal de senta e levanta e eu estava exausta, mas sentei e levantei várias vezes mesmo assim. Queria participar daquela história. O padre falou da Ucrânia e da Palestina, foi bonito. Leram uma passagem sobre a mulher ter que cuidar da casa, foi esquisito. Entrei em uma fila, desci para debaixo do altar coberto em ouro e prata e vi uma caixa em prata de uns 80 centímetros onde os restos do apóstolo Santiago estão. A fila continua e subi para o topo do altar, por trás, onde a tradição pede que abracemos a estátua em tamanho (quase) real do apóstolo por trás. Abracei.
Não tem quase ninguém em novembro e eu dei a sorte de só pegar chuva no primeiro dia. O clima era ameno, fui a um museu e voltei para casa.
O caminho é espiritual mesmo para quem não acredita no que os olhos não vêem.
O caminho é espiritual no mínimo porque o seu espírito carrega seu corpo para uma provação.
O caminho é espiritual porque tanta gente ao longo dos séculos já se transformou dando os mesmos passos que você, rumo ao mesmo lugar em um estado de espírito sempre positivo.
Espero que seus pés o percorram e que você não faça bolhas.
Mini curadoria semanal
A Luiza Baldan é uma artista fenomenal e tem um curso maravilhoso que explora a nossa relação com a casa da infância. Esse curso me transformou para sempre: O Verso da Casa.
Estou pegada no curso de tarô da Paulina, o Universo do Tarô. Ganhei há um ano, mas só estou pegando forte agora e, olha, tô apaixonada.
Estou lendo um livro infanto-juvenil do Hitchcock, O Mistério da Caveira Falante. Peguei na biblioteca para meu filho, mas sem querer comecei a ler sozinha. Me vejo criança lendo este livro e amando. Uma vibe Coleção Vagalume.
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Que legal, penso eu fazer esse caminho, também não sei ainda o que busco.
Que bom que completou o caminho! Mais um desafio vencido! Eu não fiz o caminho, mas quando estive em Santiago pude sentir a alegria no ar, o encantamento das pessoas, uma energia vibrante, mística mesmo. É um lugar especial, nutrido com as dores e as alegrias do mundo, da vida. Fiquei fascinada e embuída dos melhores sentimentos. Parabéns pelo feito!😘🌹