{Estrangeira #76} Culpa histórica
Não foi você, mas a responsabilidade também é sua, tá?
Chego perto do meu aniversário de 14 anos na Europa e foram poucas as pessoas que cruzaram meu caminho com algum senso de culpa histórica. Da minha geração encontrei um ou outro, os mais jovens, nem pensar. Não conheci nenhum.
A sensação é que os europeus estão todos exaustos de serem culpabilizados pelas mazelas globais. Como se a culpa histórica fosse um ataque pessoal à integridade do alecrim dourado. “Eu não deveria ter que pagar pelo que meu avô fez!” dizem os princesos em contra-discursos robóticos vazios e repetitivos sem a chance de reflexão.
E a reflexão não é tão difícil assim. A culpa histórica nada mais é que um reconhecimento do privilégio branco europeu. Um privilégio que só existe graças a destruição de povos, culturas e indivíduos. Um privilégio que se deu em cima de ocupações, delírios de supremacia racial, cultural e religiosa e saqueamentos. É, de roubo mesmo.
É apenas a partir de um reconhecimento desse privilégio sujo, manchado com o sangue de muita gente, que outras pessoas em outros lugares podem começar seu processo de cura.
Quando eu vou a um museu em Portugal enaltecendo a eRA doS DesCobrImEntOs, eu, brasileira, fico pau da vida. A gente sabe de toda a desigualdade que existe no Brasil e quando isso começou. Esses museus são uma agressão, um ataque renovado. Quando eu ando em Berlim e vejo ruas com nomes de ditadores e genocidas, eu fico transtornada. Por que glorificar gente que destruiu tanto?
É para isso que serve a culpa histórica. Para que as pessoas que mantêm esse privilégio sujo se toquem e o usem para o bem. Para que governos possam exigir reparação. Para que os gringos parem de usar cocar e pintar a cara de vermelho em protestos pelo meio ambiente.
Eu queria ver a cabeça da Nefertiti fora de Berlim e dentro do Museu do Cairo para os egípicios verem. Os alemães que peguem um avião até lá para ver, sabe. Eu queria ver aquele diamante da família real britânica roubado da África do Sul de volta ao país do Cabo das Tormentas. Quero ver a Alemanha construir casas populares no Zanzibar tão rápido quanto construíram campos de concentração na Namíbia.
Europeus devem entender que mesmo não tendo sido pessoalmente responsáveis pela destruição, são eles sim que têm que devolver. São eles que têm que reconhecer e reparar. Porque ainda desfrutam dos privilégios consequentes de toda essa dor causada.
Isso vale também, é claro, para nós, brancos brasileiros. A gente também desfruta de um privilégio surreal porque alguém da nossa família lá atrás subiu na vida às custas do sofrimento dos outros.
Viva as cotas e viva as vagas afirmativas. Viva toda a conquista dos oprimidos apesar do privilégio alheio.
Mini curadoria semanal
Lendo Felicidade Clandestina da Clarice Lispector. Miopia progressiva me pegou muito.
Escutei a primeira parte de três da história de Shelly Knotek no Modus Operandi e estou muito estressada! Hoje saiu a parte 2.
Vendo a terceira temporada de Ginny & Georgia na Netflix. Amo essa série.
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